A "pequena" mentira como acto piedoso ou a justificação cristã salvífica para mentir.

Entristecem-me as "pequenas" ou "pequeninas" traições, as "pequenas" ou "pequeninas" deslealdades, as "pequenas" ou até "pequeníssimas" mentiras. Talvez por serem pequenas. Talvez por serem pequenas são de elevada frequência, não quanto à intensidade, pois querem-se "pequenas", mas quanto à frequência da repetição. Talvez me entristeçam por serem por vezes tão "pequenas" que estão para lá da categoria da coincidência ou do simples esquecimento. Aliás, são tão "pequenas" que não conseguem ser nem coincidências nem meros esquecimentos. Têm pois quanto à dimensão um limite bem circunscrito e quanto à memória uma acção de clareza selectiva. Resultado: são inúteis. Não para quem mente, mas sim para quem as recebe.
Reconheço também que me entristecem por não terem uma espetacularidade recreativa e artística, já que pretendem encobrir "pequenos" medos. "Pequenos" mas incisivos, marcados como cicatrizes e que são exclamações de qualquer acontecimento latente.
São "pequenas" o suficiente para "as deixarem passar" ou ser "facilmente resolvidas, perdoadas, esquecidas".
A sua pequenez é a natureza da sua constante presença.
Estas "pequenas" traições, deslealdades, mentiras, assumem sempre características impessoais, subjectivas, mas universais. Protegem as identidades e as privacidades, afirmam-se enquanto salvaguarda do Eu.
Por isso as "pequenas" traições, deslealdades e mentiras são sempre a prova real de que estamos sempre e irremediavelmente sós.