18 de Março de 1974

"Queridos pais,
São três da madrugada. Estou algures, escondido numa casa de pedra, entre Almeida, o rio Côa e perto da fronteira espanhola. Somos quatro homens cansados, com medo e poupados em palavras. A Guarda vai-se fazendo ver e sentir. Nos cascos dos cavalos que passam. No modo encolhido como as pessoas andam. No nosso olhar desconfiado e atento. Estou a escrever à luz de um candeeiro a petróleo que cubro om uma manta, correndo o risco de atear fogo. Não quero partir sem me despedir de vós. Sem vos dizer que não posso, não quero, não devo, participar numa guerra sem razão. Será cobardia? Talvez. Será traição à Pátria? Talvez. Mas que Pátria é esta que em vez de ser mãe, nos oferece à morte, à miséria, à opressão? Os homens que estão comigo têm fome. Têm famílias com filhos e mulheres com fome. Não sabem ler nem escrever. São homens com rugas de velhos em rostos jovens. Olhos cansados em órbitas esbugalhadas pelo sofrimento. Mãos grossas, marcadas por trabalho duro, que tremem. Não posso ficar! Alguém dará esta carta à mãe durante a missa de domingo. O homem chegou. Vamos tentar a nossa sorte agora. A Guarda está perto.
Do vosso filho"

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